O solo do sul da Bahia é rico em matéria orgânica e em minerais como titânio e óxido de ferro, conferindo à terra uma paleta de cores que vai do amarelo amarronzado ao vermelho vibrante. É a partir dessa matéria-prima que Eduardo Nazarian (São Paulo, 1978) vem explorando as possibilidades plásticas da terra, seja por meio de sua compactação, seja por sua diluição. Em suas frequentes estadias na região, onde hoje mantém um ateliê, o artista construiu uma relação íntima com esses materiais, que têm orientado suas investigações tanto na cerâmica quanto na pintura.
O ofício do ceramista envolve transformações que demandam uma escuta atenta às forças que regem a matéria. Moldar a argila é atuar num equilíbrio sutil entre os quatro elementos: terra, água, ar e fogo. E, para que uma peça se revele concluída, é preciso acolher a imprecisão do fazer manual e reconhecer que o fogo tem suas próprias vontades.
Já um pintor opera a partir das superfícies. Seu gesto deposita campos de luz onde imagens são reveladas e soterradas, como se emergissem de camadas do invisível. De certo modo, trata-se também de um trabalho que se equilibra entre a intenção e o acaso.
Em sua primeira exposição individual, Nazarian articula essas duas linguagens, pintura e escultura, para criar uma experiência imersiva que dialoga com as características generosas do espaço ocupado pela ORA. Neste trabalho inédito de grande escala, o artista constrói uma ambientação composta por objetos que compartilham um léxico visual sintético, baseado em formas elementares. São linhas, círculos e pequenas esferas que aparecem tanto nas pinturas de grandes dimensões quanto nas cerâmicas dispostas sobre um vasto campo de areia de quartzo.
Nazarian não busca criar imagens reconhecíveis, mas sim abrir espaço para que novas figuras possam ser imaginadas e construídas mentalmente. A instalação é cercada por espelhos, que multiplicam os elementos e colaboram para a construção de uma paisagem simultaneamente reconhecível e em suspensão. Essa multiplicação também ecoa na organização espacial da obra, cuja disposição das peças segue um ritmo orgânico, como num exercício de repetição e pausa.
Assim, até mesmo os vazios entre um objeto e outro tornam-se parte de uma composição abstrata, e são tão relevantes quanto os silêncios e pausas entre as notas de uma melodia.
Entre as formas moldadas, o artista incorpora também objetos encontrados em estado bruto, evidenciando seu interesse pela memória material e pela ação do tempo sobre as coisas. Cordas náuticas devolvidas pelo mar e redes de pesca que carregam vestígios de histórias desconhecidas coexistem, sem hierarquia, com as peças produzidas pelo artista.
Nessa recusa momentânea do objeto autônomo em busca da valorização das relações entre corpo, matéria e espaço,
Nazarian propõe uma instalação que acolhe a fragilidade dos materiais e os expõe às intempéries do ambiente. O cuidado necessário ao transitar por esse terreno (os pés que afundam, o corpo que se desvia e evita o toque brusco) compõem uma coreografia silenciosa imaginada pelo artista.
Nesse ritmo sensível e atento, a obra nos conduz por um campo metafórico mais amplo, onde se tornam visíveis os ciclos da vida e da matéria. O quartzo, em estado de areia sob os pés do visitante, se revela tão delicado quanto as esculturas de porcelana que repousam sobre ele (ambas oriundas do mesmo material primordial, apresentadas em diferentes estágios de transformação).
Nas redes de pesca, esferas brancas se agrupam como ovos, uma das imagens mais universais da origem da vida. Entre o que nasce e o que se apresenta efêmero, esse espaço nos convida a revisitar as relações entre matéria e memória. Tudo coexiste num mesmo compasso, onde início e fim não se opõem, mas se espelham.
Thierry Freitas é historiador da arte, pesquisador e curador da Pinacoteca de São Paulo.